OSC’s advertem o Governo e a sociedade sobre os perigos da introdução de Organismos Geneticamente Modificados em Moçambique

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A crise agrícola e alimentar tem se feito sentir em diferentes quadrantes do planeta, sobretudo nos países mais vulneráveis a mudanças climáticas, onde a agricultura constitui uma das principais fontes de renda das famílias. Esta situação tem conduzido à movimentação de uma série de recursos materiais e financeiros, supostamente, com vista a suprir a necessidade e demanda de alimentos básicos através de várias iniciativas promovidas por companhias multinacionais de produção e multiplicação de sementes tolerantes a diferentes condições da natureza.

Paralelamente, a procura de alimentos para colmatar a fome e a subnutrição tem sido usada como pretexto para dinamizar o negócio de produção industrial de alimentos por parte das grandes companhias multinacionais, com recurso a práticas tecnológicas não sustentáveis que perigam a saúde humana e o equilíbrio ecológico em geral. Essas práticas, incluem o recurso à biotecnologia – sobretudo à chamada engenharia genética, que recorre a conhecimento científico para aplicação de técnicas de manipulação e recombinação de genes – para a produção de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), procurando assim responder ao desafio de aumento da produção alimentar. Os OGM têm também sido usados sob pretexto da sua útil aplicação no domínio da produção animal e da indústria farmacêutica para melhorias dos cuidados de saúde. Todavia, são várias as implicações apontadas ao uso desses organismos que, nos últimos anos, têm dado aso a grandes debates no seio da comunidade científica.

No continente europeu, vários países aderiram de forma efusiva à produção e consumo de organismos geneticamente modificados, mas hoje, segundo a Dra. Angelika Hilbeck[1], fruto dessa e de outras decisões erradas, a Europa perdeu cerca de 80% da sua população de insectos e enfrenta uma crise de biodiversidade. Curiosamente, hoje, muitos desses países europeus instauraram políticas para desencorajar a produção, comercialização e consumo de produtos resultantes da manipulação genética devido às implicações que têm sido apontadas à saúde humana e ao meio ambiente. Mesmo assim, ano após ano, a campanha internacional levada a cabo pelas grandes corporações com o intuito de promover a produção, comercialização e consumo de OGM’s – sobretudo nos países do Sul apelidados de “em vias de desenvolvimento”, como é o caso de Moçambique – continua a aumentar.

Desde 2001 – aquando da ratificação do Protocolo de Cartagena sobre Bio-segurança (Resolução 11/2001) – que Moçambique vem trabalhando na elaboração de legislação nacional sobre bio-segurança. Esse trabalho culminou com a aprovação do Regulamento sobre Bio-seguranca relativa à gestão de Organismos Geneticamente Modificados (Decreto Nr. 6/2007), que estabelece medidas preventivas e regras de controlo das actividades envolvendo OGM’s. Este decreto previa uma série de medidas de prevenção, sobretudo no que respeita ao capítulo de importação, comercialização e investigação de OGM’s. No entanto, sete anos volvidos, parte dessas medidas foram alteradas com a revogação do supramencionado decreto e consequente aprovação do Decreto Nr. 71/2014 – uma mudança cujo propósito foi claramente criar espaço para permitir a produção de culturas de OGM’s. Mexidas na legislação como esta têm sido feitas sem o consentimento efectivo do público que potencialmente consome estes produtos, violando assim o artigo 5 do Decreto Nr. 27/2016 que regula a Lei de Defesa do Consumidor e o estipulado pelo Protocolo de Nagoya no que refere o direito de informação quanto a produtos que entram no país e seus impactos.

O projecto para introdução de Milho com Eficiência Hídrica para África (WEMA) é um exemplo claro que demonstra a pressão a que Moçambique está sujeito para introdução de OGM’s no seu sistema de produção agrícola. O projecto WEMA envolve cinco países –Moçambique, África do Sul, Uganda, Quénia, Tanzânia e Uganda – e é uma parceria público-privada coordenada pela Fundação Africana de Tecnologia Agrícola (AATF), em parceria com o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT), a Monsanto e os órgãos nacionais de investigação agrária dos países em referência, e conta com o financiamento das Fundações Bill & Melinda Gates e Howard G. Buffet. Neste momento, em Moçambique, o projecto está na fase de ensaio em campos confinados e consiste basicamente na produção de variedades de milho – tanto convencionais como geneticamente modificadas – que sejam tolerantes à seca e resistentes a insetos.

Em Moçambique, pouco se sabe sobre os reais impactos dos OGM’s, e o debate público sobre este assunto é quase inexistente. É nesta lógica que um grupo de organizações, desde 2017, tem procurado iniciar este debate de forma mais aberta, democrática e transparente, uma vez constatada a intenção do Governo em abrir espaço para a liberalização da produção de OGM’s no país sem uma consulta pública efectiva. Neste âmbito, a African Centre for Biodiversity (ACB) e a Justiça Ambiental (JA!) organizaram uma oficina de capacitação de dois dias e meio com o objectivo de partilhar informação actualizada sobre OGM’s em África com ênfase em Moçambique, bem como conhecimento sobre a regulamentação da Bio-segurança sob os auspícios do protocolo de Bio-segurança em Moçambique, com ênfase nos impactos na saúde humana, no meio ambiente e socioeconómicos. A oficina contou com a participação de camponeses, Organizações da Sociedade Civil, representantes do Governo e académicos.

A oficina, para além dos representantes do ACB provenientes de alguns países da África, contou igualmente com especialistas internacionais de renome em matéria de OGM’s e seus impactos (como a já mencionada Dra. Angelika Hilbeck ou a Dra. Lim Li Ching), bem como em temas ligados a Bio-segurança. Durante o encontro as pesquisadoras fizeram a apresentação de vários estudos científicos que apontam os impactos dos OGM’s no meio ambiente e na saúde humana no mundo – incluindo a resistência a antibióticos. Para as pesquisadoras, a segurança dos OGM’s ainda é muito questionável, e enquanto esta dúvida prevalecer deveríamos pautar-nos pelo Princípio de Precaução previsto no Protocolo de Cartagena, do qual Moçambique é signatário.

A JA lamenta que não exista um percurso curto para evitar a produção de OGM’s em Moçambique, uma vez que Governos como o nosso são manipulados e tomados por grandes corporações internacionais – como a Monsanto – que intervêm nas políticas de produção agrária dos países e, ao mesmo tempo, não permitem, por exemplo, que as suas sementes geneticamente modificadas sejam sujeitas a pesquisas independentes e imparciais, alegando o Princípio da Propriedade Intelectual. Para o bem da ciência e do conhecimento, a JA acredita que as tecnologias devem sim ser estudadas, mas os estudos devem ser feitos de forma imparcial e independente, e não ficar reféns dos interessses das companhias que financiam as pesquisas, sujeitos a que aspectos importantes para a ciência e para o conhecimento público em geral sejam omitidos. Outrossim, esta condição só comprova que as alegadas vantagens dos OGM’s relativas a rendimento podem ser mero produto de decisões políticas resultantes dessas parcerias público-privado.

Ademais, como foi referido por uma das pesquisadoras durante a oficina, para a realização de estudos realmente imparciais há que fazer as questões correctas e procurar respondê-las o mais exaustivamente possível. Um estudo que não aborde compreensivamente as questões pertinentes ao seu objecto, procurando ao invés responder a questões especificamente “encomendadas”, não pode ser levado a sério. A mesma pesquisadora disse ainda acreditar em várias outras soluções tecnológicas de melhoramento de sementes para aumentar a produção e a produtividade agrícola que não passam necessariamente pelo uso de OGM’s, desde que sejam disponibilizados para o efeito os mesmo recursos financeiros concedidos às pesquisas de OGM’s.

Concluindo, a JA apela ao Governo a realização de uma consulta pública ampla, transparente e imparcial a todos sectores da sociedade moçambicana, sem qualquer distinção, de forma a garantir que não sejam impostas à sociedade políticas que apenas beneficiam entidades privadas, alheias a aspectos fundamentais como direitos humanos e ambiente.

[1] Angelika Hilbeck, PHD, é uma pesquisadora senior e professora no Instituto de Biologia Integrativa de Zurique (ETH Zurich). Especializada em biodiversidade e conservação, ecologia, entomologia e transgénicos, é autor publicada de mais do que uma obra sobre a problemática dos organismos geneticamente modificados.

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